Os partidos políticos brasileiros tiveram que devolver R$ 44,6 milhões ao erário em 2017, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), devido falhas na prestação de suas contas. O balanço foi fechado em abril de 2018 e está disponível para consulta no site do tribunal.
O valor, o segundo maior registrado nos últimos nove anos, representa os casos em que não havia mais possibilidade de recorrer da cobrança. Isso, porém, não significa que os partidos já tenham zerado suas dívidas públicas, pois o que foi recolhido corresponde a pendências identificadas em prestações de contas de anos anteriores, que ainda estavam sob aprovação.
“São valores que decorrem, por exemplo, de recursos de origem não identificada”, explica Eron Pessoa, assessor chefe da Assessoria de Exame de Contas Eleitorais e Partidárias (Asepa), do TSE. “São aqueles recursos associados a receitas em que não foi possível identificar o CPF do doador e também recursos relacionados a fontes vedadas [proibidas] de financiamento da campanha eleitoral ou da manutenção ordinária de partidos políticos. A lei determina que, nessas hipóteses, o dinheiro seja encaminhado ao Tesouro Nacional.”
Outra situação frequente é a má aplicação da verba recebida por meio do Fundo Partidário. Ela pode ser usada, entre outras designações, para a manutenção das sedes e serviços do partido e para o pagamento de funcionários. Também pode ser aplicada em propaganda e campanhas eleitorais e no pagamento de despesas com alimentação, incluindo restaurantes e lanchonetes.
Para efeito de comparação, em 2017, o Fundo Partidário repassou a quantia de R$ 738 milhões a 35 legendas. Em 2018, este valor foi para R$ 888 milhões – quase o triplo do valor disponibilizado em 2014, quando ocorreu a última eleição geral no país.
Cinco anos para analisar as contas
Os partidos têm até o mês de abril do ano seguinte para prestar contas de seus gastos anuais. Em ano de eleição, também fazem a prestação de gastos de campanha, que deve ser apresentada no primeiro mês após a votação. Essa prestação de contas deve conter, entre outros: a discriminação dos valores e a destinação dos recursos recebidos por meio do Fundo Partidário; a origem e o valor das contribuições e doações; as despesas de caráter eleitoral, com a especificação e a comprovação dos gastos com programas no rádio e na televisão, com publicações, comitês, comícios e demais atividades de campanha; a discriminação detalhada das receitas e despesas.
Se as contas são barradas pela Justiça Eleitoral, o valor apontado como irregular deve ser devolvido ao Tesouro Nacional, acrescido de multa de até 20%. Além disso, são cobradas a correção de juros e a atualização monetária retroativas ao período em que ocorreu o mau uso do dinheiro público. “Só para dar uma ideia, estamos julgando agora no TSE as contas de 2013”, afirma Pessoa.
“A partir da entrega da prestação de contas, temos cinco anos para fazer a análise e o julgamento da documentação apresentada pelos partidos e candidatos. Depois disso, o processo prescreve, mas isso nunca aconteceu aqui.”
De onde sai o dinheiro devolvido?
Até 2015, partidos que não conseguissem comprovar seus gastos adequadamente tinham de usar recursos próprios (de doações, por exemplo) para sanar a prestação de contas. A partir de 2015, tudo o que é devido passou a ser descontado das cotas futuras de repasses públicos que o partido tem direito a receber. Desde 2017, a dívida também pode ser dividida em parcelas mensais. Não há desconto automático para este tipo de dívida.
Uma vez que foram extintos todos os recursos na Justiça, o partido faz o recolhimento ao Tesouro Nacional pagando uma guia tributária específica, como se estivesse fazendo um depósito no banco. “Quando a prestação de contas é malfeita e os recursos são obtidos irregularmente, ou os gastos são feitos irregularmente, o candidato tem o seu mandato ou o seu diploma cassado”, explica Arthur Rollo, advogado especializado em direito eleitoral.
“Com os partidos, o que acontece é a proibição de repasses [se a prestação estiver irregular]. Outra consequência é a devolução do dinheiro: gastou errado, devolve e está resolvido o problema.” “Se a gente pensar que esse dinheiro é para financiar a democracia, a propaganda partidária etc., o ideal seria que esses recursos fossem bem aplicados e que não fossem devolvidos, que as estruturas partidárias funcionassem perfeitamente”, afirma Rollo.
Primeira eleição presidencial sem financiamento de empresas
A eleição geral de 2018, quando serão eleitos deputados estaduais e federais, senadores, governadores e o presidente da República, é a primeira com campanhas realizadas sem doações de empresas. A proibição desse tipo de financiamento foi decidida em 2015 pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O objetivo é evitar que o poder econômico obtido por meio de robustas doações empresariais desequilibre a disputa eleitoral e também tentar reduzir o crime conhecido como caixa dois, quando uma parte do dinheiro usado por candidatos e partidos não é declarada.
Em 2014, o Fundo Partidário utilizado em campanha eleitoral e declarado à Justiça Eleitoral foi de R$ 192 milhões, segundo o TSE. Em 2018, o total de recursos passíveis de aplicação em campanha chegará a R$ 2,2 bilhões (R$ 1,7 bilhão do novo Fundo Especial de Financiamento somado a R$ 888 milhões do Fundo Partidário).
Pessoa, da Asepa, relembra que, em 2014, o valor usado pelas campanhas foi muito superior a esse montante. “O financiamento total da campanha eleitoral de 2014, a última geral realizada, foi declarado, pelo caixa oficial, em R$ 7,2 bilhões de receita. O atual fundo público de campanha, apesar de ter um número espantoso, está muito longe de representar o total declarado em 2014, quando 41% do total foi bancado pelo empresariado”, diz Pessoa.
“O TSE parte do princípio de que não vai ter caixa dois”, afirma o advogado Arthur Rollo. Ele diz torcer para que isso aconteça, mas duvidar que seja possível. “O TSE e o sistema brasileiro estão caminhando para o financiamento exclusivamente público, como se isso fosse a tábua de salvação para acabar com o caixa dois. Eu não vejo dessa forma. Formalmente, a gente vai ter campanhas mais baratas, mas pode haver, pela experiência passada, diferenças entre o que está contabilizado no papel e o real gasto das campanhas.”
Prestação de contas a cada 72 horas
Em 2017, a Justiça Eleitoral lançou um sistema online de prestação de contas dos partidos. Antes disso, o acerto era todo feito em papel, manualmente, com recibos, guias e notas fiscais. Neste ano, deve entrar em operação o Sistema de Prestação de Contas Eleitorais (SPCE), que está em fase de testes e poderá ser baixado pela internet a partir de julho, para registrar arrecadações e gastos dos candidatos e partidos durante a campanha eleitoral.
As prestações de contas devem ocorrer a cada 72 horas, conforme prevê a legislação eleitoral. Depois de efetuada a declaração, um arquivo é gerado e enviado à Justiça Eleitoral, o que permite mais transparência das informações e a realização do confrontamento dos dados declarados com outras fontes do Governo Federal.