Especialistas em marketing político há muito sabem que os sentimentos não podem ser deixados de lado na tentativa de conquistar o voto do eleitor.
Por isso, estrategicamente a comunicação feita pelos candidatos mescla afetos, indo do medo à esperança, tentando assim se conectar com as crenças da população.
Com o bolsonarismo e a proliferação das fake news nas redes sociais, conceitos como pânico moral e viés de confirmação são usados para entender diversos impactos desse discurso. Entenda o uso das emoções nas campanhas:
COMO AS EMOÇÕES APARECEM NA POLÍTICA E NAS CAMPANHAS ELEITORAIS?
Tema de estudos desde o final do século 19, o uso das emoções na política tem destaque com trabalhos sobre o nazismo e fascismo, em meados do século 20.
O ressentimento tem sido o afeto mais pesquisado, onde um grupo ou um indivíduo é tratado como o motivo do sofrimento de vários, explica o doutor em psicologia e professor da UFMG Marco Aurélio Máximo.
“Mais do que com discursos racionais, propostas de governo detalhadas, a mobilização política está muito próxima das emoções. Ela é uma mobilização afetiva.”
O cientista político Antônio Lavareda, do Ipespe (Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômica) e autor do livro “Emoções Ocultas e Estratégias Eleitorais”, diz que das 8 eleições presidenciais no pós-redemocratização, 3 das de 1989, 2002 e 2018 foram eleições críticas, por acontecerem em um contexto de crise econômica, elevada polarização ideológica e emergência de outsiders.
“Em todos esses momentos, a raiva e a indignação tiveram um papel especial no cardápio das emoções que predominaram e que foram utilizadas pelas campanhas vitoriosas.”
Assim, Fernando Collor chegou ao Planalto após mobilizar a raiva e indignação contra o cenário econômico e o medo em relação ao PT e a Luiz Inácio Lula da Silva, diz Lavareda.
O medo também foi usado pelo PSDB em 2002, mas Lula venceu com um discurso em que predominavam o entusiasmo, a esperança, além da raiva e indignação com o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, analisa ele.
Em 2018, a Lava Jato e o impeachment foram fatores que agravaram o cenário e contribuíram para que o então deputado federal Jair Bolsonaro, que se colocava como outsider, chegasse ao poder, conclui Lavareda.
Pesquisador do Cepesp da FGV e autor de “Quem Bate Perde? Os Efeitos Afetivos dos Spots Eleitorais de TV no Brasil”, Jairo Pimentel afirma que estudos da neurociência mostram que razão e emoção estão associadas no processo decisório, como a definição do voto.
“Existem eleitores que são impactados por fatores de curto prazo e podem sentir alguma ansiedade, no sentido de que um sentimento negativo toma conta da pessoa e ela a quer procurar mais informações para decidir o voto e essa decisão geralmente é mais tardia”, diz, citando a teoria da inteligência afetiva, de Marcus Mackuen.
Pimentel também destaca a obra “Campaigning for Hearts and Minds” (Campanhas para corações e mentes), de Ted Brader, sobre como o uso de elementos na comunicação, como música e interação com crianças, ativam emoções positivas e deixam as pessoas mais predispostas a ouvir o candidato.
O QUE É PÂNICO MORAL E COMO ELE APARECE NO DISCURSO DE BOLSONARO EM 2018?
Criado na década de 1970 na sociologia, o conceito é definido por Stanley Cohen como a aparição de uma condição, episódio, pessoa ou grupo como uma ameaça aos valores sociais. Essa mobilização é comum em períodos de crise.
A antropóloga Isabela Kalil, coordenadora do Observatório da Extrema Direita e do curso de sociologia e política da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, diz que Bolsonaro usa o conceito a partir de questões relacionadas ao gênero e à sexualidade.
“Se uma decisão for tomada por determinado candidato, vai ter uma sexualização precoce das crianças na infância, logo eu tenho crianças em idade escolar e isso me preocupa.”
A socióloga Esther Solano, professora da Unifesp que também estuda grupos bolsonaristas, acrescenta que há nessa retórica uma radiografia dos medos das pessoas.
“A extrema direita pega os elementos fundantes da lógica conservadora a família, sexualidade, a infância e transforma isso em um ecossistema que está ameaçado. A ideia de que se você votar no outro, tudo isso que é a âncora da sua vida está sob ameaça”, afirma.
O QUE É VIÉS DE CONFIRMAÇÃO E COMO ELE AJUDA A EXPLICAR A CRENÇA EM NOTÍCIAS FALSAS?
O viés de confirmação é a predisposição para acreditar em conteúdos que estejam de acordo com as crenças pessoais. O conceito já era descrito no século 17 por Francis Bacon e foi amplamente usado dentro de áreas da psicologia nas décadas de 1960 e 1970.
O professor e pesquisador do departamento de comunicação social da UFMG, Camilo Aggio, que pesquisa relações entre teorias conspiratórias e redes sociais, diz que o conceito contraria o pensamento de que as pessoas são vulneráveis à comunicação.
“A gente busca informações que vão reforçar as nossas convicções prévias, do mesmo modo que a gente tende a descartar informações que confrontam as nossas convicções e a isso chamamos dissonância cognitiva.”
“Por meio da propagação de fake news, o que você consegue é produzir uma tensão pública sobre um tema. Não é que você vai conseguir manipular mentes e corações, mas você vai pautar uma agenda de discussões”, afirma.
Como exemplo, ele lembra que em 2018, enquanto a campanha do petista Fernando Haddad estava preocupada em desmentir boatos sobre “a mamadeira de piroca”, a de Bolsonaro já tinha pautado uma discussão de teor moralista sobre valores, costumes e educação.
Aggio destaca que, por conta disso, é necessário estar atento ao surgimento de teorias conspiratórias, identificar suas fontes e desmenti-las no início para minimizar seus efeitos.
COMO OS DISCURSOS DE BOLSONARO, LULA E OUTROS PRESIDENCIÁVEIS ENFOCAM AS EMOÇÕES NAS ELEIÇÕES DE 2022?
Lavareda diz que a crise econômica é o principal mobilizador de ansiedade na população e isso produz desalinhamento em relação à eleição passada.
Embora Bolsonaro trabalhe com a mesma raiva e indignação contra a corrupção e a moralidade, eles já não tem o mesmo efeito, pois o eleitor sabe que a economia e a inflação têm a ver com o presidente.
“Você tem indignação em relação a questões da mobilidade e medo em relação ao comunismo [do lado de Bolsonaro] versus ansiedade em relação a economia, entusiasmo sebastianista pelo retorno do que seriam os bons tempos e a raiva em relação ao Bolsonaro [do lado de Lula]”, diz.
Sebastianismo é o nome dado à crença no retorno de dom Sebastião, rei de Portugal que morreu aos 24 anos na batalha de Alcácer Quibir, em 1578, e cujo corpo nunca foi encontrado. A partir do episódio, o país entrou em declínio, o que alimentou a fé no retorno triunfal de Sebastião e de Portugal como império.
O psicanalista Christian Dunker, professor do Instituto de Psicologia da USP, também vê um uso de emoções positivas, como a esperança, na campanha lulista, enquanto Bolsonaro segue mobilizando afetos negativos, pelos quais as pessoas passaram a demonstrar cansaço.
“As pessoas conseguem odiar para transformar posicionalmente uma situação, mas elas vão resistir a ter uma vida organizada pelo ódio. Vai ser difícil conseguir manter isso a médio e longo prazo”, afirma.
“Não é só um discurso do ódio, mas é um discurso do ódio que avança da agressividade para a violência”, completa.
Para Dunker, Ciro Gomes (PDT) segue um caminho intermediário, tentando ser agressivo sem ser violento. “Nem sempre ele acaba sendo feliz nessa estratégia, porque a pretensão é bater no bolsonarismo e no lulismo e ganhar uma terceira posição.”
Kalil (Fesp), que desenvolve uma pesquisa com eleitores indecisos, vê como novidade no discurso bolsonarista os ataques às urnas eletrônicas, feitos com menor intensidade em 2018 e que agora impactam mesmo os não bolsonaristas.
“A alegação de fraude eleitoral tem feito um estrago na democracia brasileira que talvez a gente vá demorar ainda algum tempo para conseguir medir e perceber o quão grave essa descrença no sistema eleitoral. “
DE QUE FORMA A SAÚDE MENTAL DOS ELEITORES PODE SER IMPACTADA?
Raphael Boechat Barros, psiquiatra e professor da UnB (Universidade de Brasília), diz que em 2018 teve pacientes depressivos por conta da política e que o discurso dos candidatos quatro anos depois segue muito mais emocional do que técnico. Entretanto, ele afirma que isso não é notado.
“Esse é o problema. A maioria não consegue perceber. Quando percebem, já tem sofrimento grande por isso, porque estão muito envolvidos. É quase como se estivesse entorpecido por uma droga”.
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